Gabriela

Gabriela não quer mais amar. Ela quer viver acima disso, quer saber o que vai acontecer um mês depois.

Gabriela sempre está com sede, e não sabe o que culpar.

Lembro quando a mãe de Gabriela perdeu o emprego. Ela não ficou minimamente preocupada.
"Tudo se ajeita, não é?"
"É sim."

Gabriela já foi pedida em namoro muitas vezes, aceitou poucas, riu de algumas, mas nunca ficou feliz ao ouvir algo assim. Nossa garota não entende porque todas essas pessoas. Será que recebe em doses homeopáticas o que sempre quis? De alguém?

Gabriela não consegue manter ritmo num texto. Muito menos ler o que escreveu. Se ficou bom, ótimo.

Gabriela é viva! Quer "vida" para si e morte para tudo que não a agrada. Ela não se agrada.
...Que não a agrada. Como tudo e em alguns dias praticamente nada.

Grabriela não costuma sentir muito,
às vezes sabe que sente,
sabe que odeia quem odeia o que ela odeia
sabe que gostava de seu pai, que gosta da sua mãe
sabe que tem carinho por seu melhor amigo.

Dona de uma beleza calada, insípida, estranhamente eficiente. Exatamente! Estranha. Assim ela se sente, por não ser o que pensam, nem que o ela mesma sente ou pensa.

"Tão bom se cada homem fosse o que parece ser. Li isso em algum lugar" - Uma vez ela disse.

ela sente inveja da amiga. Não por ela ser mais bonita, mais inteligente ou mais rica. Não por isso. Afinal, nem o é. Apenas escolheu assim.

Tudo para Gabriela é indiferente.
Ela vive em sua cômoda auto-significância vendo tevê, tomando achocolatado e tentando ser só ela ou (para quem ainda não viu) tentando ser ela, sozinha.

a Gaby dos outros é popular, original, eficiente. A Gaby dos outros tem a vida perfeita.
Grabriela não tem nada.

Ela não gosta de música, cinema e qualquer coisa que possa atingir cinco entre dez pessoas.

Gabriela tem alguns medos, dia sim dia não.
tem uma boneca que é seu xodó. Ganhou do pai, antes dele morrer de câncer.
tem um all star, que nem preto é.
tem raiva de vilões.

Ninguém conhecia as vontades dela. Nem eu
Uma vez, brincando, disse-me que um dia mataria alguém. Que queria sentir isso.

No dia em que foi mais feliz, ela morreu.
Pelo menos estava escrito assim na carta.

"Hoje acordei feliz. E agora vou..."

Sempre choro quando lembro dessa primeira linha.
Talvez essa tenha sido sua intenção.

Como alguém tão cheia de vida fez isso?
Não. Eu não disse isso. A vizinha que nunca lembra em que andar ela morava disse, a mulher do jornal quando viu o vídeo de sua festa, q perguntou seu sobrenome três vezes disse, a cantineira que sempre esquecia que ela não gosta de adoçante disse.

Eu não.
Porque não tento entender.


Eu nunca amei Gabriela. Gostava de conversar com ela, de ser seu amigo, de fazer sexo com ela.
Aí nos encontrava-mos.

Lembro que uma vez ela me perguntou se eu já tinha amado, respondi que não. Fiz a mesma pergunta. Ela disse que sim.
Disse que já sentiu algo que se assemelha ao amor, mas que não gostava de chamar assim. Ela dizia odiar essa palavra.

Uma vez ela me fez prometer uma coisa. E me fez prometer que ninguém nunca saberia.
Eu fiz. Não por prazer próprio. Não. Eu senti nojo, raiva de mim, raiva dela.



É isso... Assim foi Gabriela. Não conto seus segredos porque não sei. Não digo do que ela gosta porque não sei. Nem a cor dos olhos dela eu sei, se são azuis ou verdes.
Ela gostava de azul. Queria que eles fossem azuis, como disse uma vez o oftalmologista.

Ah! Lembro de uma coisa que ela disse. Estavamos na praia.
Gabriela disse que queria ser lembrada.

Sabe,
hoje ela é.
Cometeu suicídio de maneira brutal.
Apenas, sofro um pouco por ter certeza que em algum tempo não será mais.

Não pelas pessoas que leram o artigo no jornal
Não pelos amigos do colégio
Não por mim.

Por ninguém, não é?


Gabriela viveu por nada.
Viveu e morreu por nada.

Agora, ao ler isso repeti seu nome algumas vezes. Ela adorava ouvir o próprio nome.
E a partir das cinco horas, como disse a perícia, seu nome vai ser dito muitas vezes...

Quem sabe por uma semana,
ou duas.